“Semana
passada liguei pro meu melhor amigo e convidei para um cinema. A gente
não se falava desde o ano novo, quando tudo deu errado pro nosso lado.
De tempos em tempos sumimos, falamos umas coisas horríveis de quem se
conhece demais. Ele topou desde que fosse daqui pra frente, preguiça de
conversar da briga e tal. E fomos. Cheguei antes, comprei. Ele chegou
depois, comprou água. Porque eu comprei os ingressos, ele comprou
também uns doces e disse que pagaria o estacionamento. Porque ele
pagaria o estacionamento, eu disse que daria a carona da volta. E com meu coração tão calmo eu voltei a sentir o soninho de sofá de casa com manta que sinto ao lado dele.
A gente não se beija nem nada, mas quando vai ver pegou na mão um do
outro de tanto que se gosta e se cuida e se sabe. Já tivemos nossos
tempos de transar e passar nervoso e aquela coisa toda de quem ama
prematuramente. Mas evoluímos para esse amor que nem sei explicar. Ele
me conta das meninas, eu conto dos caras. Eu acho engraçado quando ele
fala “ah, enjoei, ela era meio sem assunto” e olha pra mim com saudade.
Ele também ri quando eu digo “ah, ele não entendeu nada” e olho pra ele
sabendo que ele também não entende, mas pelo menos não vai embora. Ou vai mas sempre volta. Não temos ciúmes e nem posse porque somos pra sempre. Ainda que ele case, more na Bósnia, são quase quinze anos. Somos pra sempre.
Ele conta do filme que tá fazendo, eu do livro. Os mesmos há mil anos.
Contar é sem pressa de acabar. Se ele me corta é como se a frase que
eu fosse falar fosse mesmo dele. É um exibicionismo orgânico, como se
meu silêncio pudesse continuar me vendendo como uma boa pessoa. São
quinze anos. É isso. Ele me viu de cabelo amarelo enrolado. Eu lembro dele gordinho e mais baixo.
Ele sempre comprou meus testes de gravidez, mesmo a suspeita nunca
sendo nossa. Eu já fui bem bonita numa festa só porque ele queria me
fazer de namorada peituda pra provocar a ex mulher. Minha maior tristeza
é que todo novo amor que eu arrumo vem sempre com algum velho amor tão
longo e bonito. E eu sofro porque com pouco tempo não consigo ser melhor que o muito tempo.
E de sofrer assim e enlouquecer assim, nunca dou tempo de ser muito
para esses amores porque estrago antes. Mas meu melhor amigo é meu único
amor. O único que consegui. Porque ele sempre volta. E meu coração fica calmo.
E ele vai comigo na pizzaria e todos meus amigos novos morrem de rir
porque ele é naturalmente engraçado e gente boa e sabe todos os assuntos
do mundo. E todo mundo adora meu melhor amigo. E eu amo ele. E sempre
acabamos suspirando aliviados “alguém é bobo como eu, alguém tem esse
humor” e mais uma vez rimos da piada que inventamos, do pai que chega
pro filho e fala: sua mãe não é sua mãe, eu transei com outra”. E esse é
meu presente dessa fase tão terrível de gente indo embora. Quem tem que ficar, fica.”
| — | O amor, Tati Bernardi |
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